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domingo, 23 de outubro de 2011

Outros tempos..., por Flávio Tavares*


Zero Hora - 23 de outubro de 2011 | N° 16864

ARTIGOS

A inveja é pecado grave ou defeito terrível, mas confesso aqui, publicamente, que sempre invejei os antigos militantes comunistas. Aos olhos da minha geração, nos anos 1950-60, quando o debate político era o centro da vida, os “comunas” tinham aura de santos e se comportavam com a pureza de monges ascetas. Não buscavam nada para si próprios, entregavam-se totalmente à “causa”, despojavam-se de tudo, desprezavam o mínimo conforto pessoal, “coisa de pequeno burguês”. Eram como os primeiros cristãos das catacumbas romanas, perseguidos pelo que pensavam e coerentes no que agiam.

Até os integralistas os respeitavam, além de toda a direita, quanto mais os da esquerda socialdemocrata, como eu, vindos também do ventre marxista. Mesmo nas divergências mais sérias ou nos sectarismos mais fanáticos, eles eram exemplo de integridade pessoal.

Bastou ocuparem uma migalha do poder (como o PC do B ocupa há oito anos no governo federal), para a cúpula partidária transformar-se em joia falsa de vendedor ambulante, desprezível bugiganga de lata.

A briga pública em que “um militante de base” do PC do B de Brasília (enriquecido pelos favores recebidos do poder) acusa o ministro Orlando Silva de embolsar milionários subornos tem todos os ingredientes das disputas entre marginais: cada qual denuncia cada quem...

O acusador principal é soldado da Polícia Militar de Brasília, dono de uma mansão de R$ 3 milhões, de um Camaro, um Volvo e um BMW na garagem, e de duas “associações” de kung fu aquinhoadas com milionários cifrões pelo Ministério do Esporte. O ministro se defende e acusa o antecessor (hoje governador do Distrito Federal), que fez a festança ainda no governo Lula da Silva, mas se esquece de que ele próprio era, então, secretário executivo do ministério.

No PC do B, os três tratavam-se de “camaradas”; hoje de “bandidos”, mutuamente e a gritos. Inquirido no Congresso, Orlando Silva frisou que o denunciante “não apresentou provas”, e é verdade. Mas, de que servem as provas no Brasil, se a deputada Jacqueline Roriz (que não é do PC do B) foi filmada recebendo propina e continua no parlamento, “absolvida” por seus pares?

O Ministério do Esporte e o PC do B estão sob o fio da navalha desde os Jogos Pan-Americanos de 2007, no Rio: o Tribunal de Contas impugnou quase R$ 13 milhões gastos na construção da Vila Olímpica, por corresponderem a despesas por obras já pagas...

Deslizes pessoais são comuns em nosso absurdo espectro político, em que os partidos têm “donos”, como as “boites” com dança e outras coisas. O PC do B, porém, surgiu como dissidência do antigo PCB para corrigir o que acusava de “aburguesamento” do partido original, que Luiz Carlos Prestes dirigia. Desde a morte de João Amazonas, anos atrás, porém, o PC do B enveredou por caminhos muito próximos àqueles que tornaram Paulo Maluf um símbolo do absurdo em política. Por essa senda tortuosa, sua mais notória figura, o deputado Aldo Rebelo, nos legou um projeto de Código Florestal que incentiva desmatar e trata a floresta como se fosse “tolo requinte burguês”.

Nada disso, porém, se equipara à propina aberta que o ministro recebia na garagem, no subsolo, em caixas de papelão, do soldado da PM e ex-militante do partido, enriquecido com dinheiro público.

Essas verbas do programa Segundo Tempo do ministério, destinadas a disseminar a prática desportiva pelo país, são a melhor marca de que vivemos hoje em outros tempos. Afinal, ninguém é de ferro!
*JORNALISTA E ESCRITOR

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