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segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

O PROBLEMA DO ESPECTADOR - Opinião, por Ronie de Oliveira Coimbra*

“Dezenas de testemunhas, e ninguém, absolutamente ninguém, fez nada.”

Interesso-me em assistir séries e documentários cujo foco principal é contar sobre o desvelar de crimes, os caminhos da investigação, e confesso que sinto muito prazer quando os investigadores provam, por seu trabalho profícuo, a autoria do crime, e levam para a cadeia, por muitos e muitos anos (isto não no Brasil, claro), o autor ou autores do crime.
Em um episódio, de uma desta séries, um crime, um homicídio em particular, acontecido em 1964, me chamou sobremaneira a atenção, não pelo crime, eis que na Nova Yorque dos anos 60 muitos homicídios aconteciam, e muitos deles não eram desvendados, mas sim pela quantidade de testemunhas, dezenas delas, 38 para ser mais exato, que ouviram os gritos da vítima de suas janelas, algumas até viram o algoz a esfaquear a mulher no meio da rua, outras estiveram muito próximas do criminoso, quando este perpetrava seu hediondo crime, e, rigorosamente, todas as testemunhas nada fizeram, exceção de uma que gritou de sua janela para que "deixasse a moça em paz", o que afastou momentaneamente o assassino, porém, como sequer foram socorrer a mulher, este retornou quando esta entrava no prédio que morava, já agonizando, e lá o criminoso executou definitivamente o seu intento, e matou sua vítima impiedosamente.
O chamado para a polícia aconteceu somente quando a mulher já não poderia mais ser salva, após 30 minutos de ouvidos suplícios a ela infligidos, e submetida a dois ataques impiedosos, não sobrevivendo aos ferimentos que lhe foram impingidos.
Durante a investigação, quando ouvidas pela polícia as pessoas alegavam que tiveram medo, que pensavam que a mulher estava embriagada, ou que outras pessoas já tinham chamado a polícia, ou que não queriam se envolver, dentre outras justificativas para a omissão. Algumas, inclusive, que tinham visto alguma coisa que podia ser útil a polícia, negavam-se até a dizer o que viram.
Poucos dias depois a polícia encontrou um suspeito que confessou o crime, com detalhes que afastaram qualquer dúvida de uma confissão oportunista ou uma “pressão” exagerada da polícia. O assassino foi questionado por sua ousadia, e respondia, de forma impressionante, que sabia que as pessoas não fariam muita coisa. Tinha convicção que um dos seus trunfos seria a negligência e falta de solidariedade das pessoas em auxiliar ou socorrer suas vítimas, sim, vítimas, eis que confessou, também, estupros e outros homicídios.
Os gritos de suas vítimas não eram suficientes para que as pessoas as acudissem, ou procurassem uma forma de ajudá-las.
38 pessoas assistiram a execução de uma mulher inocente, que foi abordada covardemente por um homem com sede de matança. No entanto, todas essas 38 pessoas preferiram o anonimato à justiça.
Essa desumanidade foi o "insight" que fez os psicólogos Bibb Latane e John Darley descobrirem o que eles chamaram de “Problema do Espectador”. O que os psicólogos argumentaram no caso de Kitty Genovese é o seguinte: o importante não é o fato de ninguém ter agido quando 38 pessoas ouviram os gritos de Kitty, mas sim o fato de que ninguém agiu porque 38 pessoas a escutaram gritar.
“Se houvesse apenas 1 pessoa como testemunha, talvez Kitty Genovese (nome da mulher assassinada) ainda estivesse viva. Mas como 38 assistiram, sua morte virou um espetáculo”, foi o que disseram os psicológos.
Aqui, no Brasil, também ocorre o problema do espectador, eis que políticos e autoridades cometem desmandos e mais desmandos, e grande parte da sociedade assiste a tudo como se um espetáculo fosse, claro, um espetáculo de horror.
A vítima neste caso está bem definida: o dinheiro e a coisa pública, que, indiretamente, torna todos os trabalhadores e contribuintes vítimas, e alcança, também, todo cidadão que demanda serviços públicos, eis que a qualidade destes está diretamente relacionada com os investimentos a eles direcionados.
Aos que acreditam em céu e inferno cito as palavras de Dante Alighieri, extraída de sua obra “A Divina Comédia”: “Os lugares mais sombrios do inferno estão reservados aqueles que se mantiveram neutros em tempos de crise moral”.
Para aqueles que são mais descrentes, um pequeno texto que traz uma analogia de que mesmo os espectadores podem um dia se tornarem as vítimas do próprio espetáculo:
“Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. No terceiro dia vieram e levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei. No quarto dia, vieram e me levaram; já não havia mais ninguém para reclamar...(Martin Niemöller, 1933)

* Major da Brigada Militar do RS





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