“A hipocrisia do álcool”, esse foi o título do artigo escrito pelo médico Paulo F. Henkin, que li em ZH de 10/02/12 nas últimas horas do meu plantão policial. Cheguei à conclusão de que ele não deve ser um médico plantonista de algum hospital de pronto atendimento da Capital, haja vista o seu posicionamento em relação ao projeto de lei, em tramitação no Congresso Nacional, cujo teor altera para zero o limite de álcool para quem dirige.
Segundo Henkin, “a maioria das pessoas (que apreciam) bebe eventualmente, de maneira moderada, cônscia e saudável” e, portanto, seriam os alcoolistas os responsáveis pelas tragédias no trânsito. Entretanto, nos Estados Unidos, mais de 50% dos acidentes de trânsito envolveram “bebedores sociais” de álcool. Além disso, a Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet) informou que o consumo de bebidas alcoólicas é responsável por 30% dos acidentes de trânsito, e metade das mortes, segundo o Ministério da Saúde, está relacionada ao uso do álcool por motoristas.
A alteração da legislação vai ao encontro dos anseios sociais para um trânsito mais seguro, mais humanizado e para não tornar inócua uma legislação que surgiu para reprimir a chacina promovida sobre quatro rodas por motoristas embriagados. O efeito produzido pela Lei Seca em um ano de vigência – o número de mortes e internações provocadas pelo trânsito teve uma redução média de 23% nas capitais brasileiras em 2009 – não se repetiu nos anos seguintes devido às brechas na lei. É cena corriqueira nas rodovias do país: o policial percebe notórios sinais de embriaguez do condutor e o convida para a realização do teste do etilômetro; ele se recusa, invocando o direito constitucional de não ser obrigado a produzir provas contra si. A prova testemunhal e o laudo médico não têm sido suficientes para embasar a condenação dos acusados, pois a legislação especifica o limite mínimo de 0,3 dg/l de sangue, que só pode ser comprovado por meio de exame de sangue ou do etilômetro. Restou, portanto, ao legislador alterar o texto a fim de que a Lei Seca não entrasse no rol das “leis para inglês ver”.
Beber, moderada e responsavelmente, é salutar à saúde e à interação social, contudo, beber e dirigir é uma conduta inaceitável. Quem violar a lei deve ter a certeza da punição. É nesse contexto que os órgãos de trânsito estão intensificando as barreiras de fiscalização, mas, por motivos legais, muitas vezes ficam impossibilitados de comprovar o cometimento do crime de embriaguez ao volante, já que as provas dependem da aquiescência do possível infrator. Nessa brecha legal, a certeza da impunidade ainda estimula alguns motoristas a violar a norma. Qual seria a solução? A simples gravação de um vídeo, um laudo médico e o testemunho de outro cidadão são provas admitidas em países com uma legislação mais avançada. O Brasil está avançando nessa direção, e não é por clamor midiático. É pela conscientização da sociedade, que está cansada do famigerado jeitinho brasileiro de que não vai dar em nada.
Por essas razões, quem bebe não pode dirigir. Não existem limites seguros para a condução de veículo depois do consumo de bebidas alcoólicas, já que a metabolização do álcool depende da idade, do peso corporal, do sexo. Se um padre beber ao ministrar a missa, não pode dirigir depois, assim como amigos e casais que saem para jantar. A lei veio para instituir uma mudança de comportamento: quem beber não pode dirigir. O radicalismo é justificado pela preservação de vidas. Se o Brasil – a sexta economia mundial – quer alcançar o patamar de país desenvolvido, deve também assumir responsabilidades compatíveis com o desenvolvimento, incluindo aí a redução dos números de mortos e feridos no trânsito.
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