Tudo
é absurdo - ROBERTO POMPEU DE TOLEDO
REVISTA
VEJA
Agosto
costumava ser o mais cruel dos meses na política brasileira. Este agosto
promete ser o mais pachorrento dos meses. Não chegamos ainda nem à metade do
mês e o colunista arrisca quebrar a cara, mas todo o frenesi e o sentido de
urgência trazidos pelas passeatas de junho parecem se ter dissipado ao morno solzinho
de agosto. O governo prometia agir e disparou projetos como o serial killer
dispara balas. O Congresso sepultou a PEC 37 e prometeu muito mais. Iniciado
agosto, a presidente Dilma proclama seu respeito ao ET de Varginha, e a única
questão que mobiliza o Congresso é o projeto de tornar obrigatório o pagamento
das emendas apostas por parlamentares ao Orçamento. "Tudo é absurdo, mas
nada é chocante, porque todos se acostumam a tudo", escreveu Rousseau em A
Nova Heloísa.
O
Judiciário é um caso à parte. Entre a glória e a desmoralização, o Supremo
Tribunal Federal equilibra-se num estreito fio. Da denúncia do Ministério
Público, em abril de 2006, à sua aceitação pelo relator do processo do
mensalão, em agosto de 2007, transcorreram dezesseis meses. Entre a aceitação
da denúncia e o início do julgamento, em agosto de 2012, foram cinco anos. Mais
quatro meses e, em dezembro de 2012. O julgamento chega ao fim, com 25
condenados. Alívio. Enfim, conseguimos. Não, não conseguimos. Falta a
publicação do acórdão. Como ninguém é de ferro, é preciso calma para que cada
ministro reveja o texto de seus votos, medite, pondere. Mais quatro meses se
escoam.
Em
abril, aleluia, o acórdão é publicado. Abre-se o prazo para os réus
apresentarem seus recursos. O.k., é rapidinho: só dez dias. Agora, é só marcar
o julgamento. Passa um mês, passam dois, passam três, e só no último dia de
julho o presidente do Supremo marca para 14 de agosto, esta quarta-feira, o
início da nova fase. Os réus já não foram condenados? Foram. As penas já não
lhes foram atribuídas? Foram. O que pode mudar, então, com os embargos
declaratórios e, quem sabe, se forem aceitos, mesmo com os que atendem pelo
assustador nome de infringentes? É o que a plateia gostaria de saber, mas mesmo
quem está no palco não sabe responder. Vá explicar a um estrangeiro que um
processo se arrasta por seis anos, enfim chega ao fim, mas o fim não é o fim, é
um fim que prenuncia um recomeço, e o recomeço sabe-se lá quando terá seu fim.
Já nós brasileiros estamos acostumados. É absurdo, claro, mas não é chocante.
O
Supremo acompanha o passo habitual do país. Nada é urgente. Nunca se deu
sentido de urgência ao escabroso problema da educação. A capa da última VEJA
chamou atenção para o morticínio nas estradas. Nunca se deu sentido de urgência
à repressão aos assassinos do volante. A promessa de reação fulminante à voz
das ruas foi só um espasmo. Para ajudar os poderes constituídos, os black blocs
entraram em ação e desencorajaram quem ainda pretendesse sair em passeata.
Agosto nos traz de volta à pasmaceira característica. O escritor mexicano
Alfonso Reyes aconselhava manter sempre uma pasta com o título: "Papeles
que el liempo arreglará". As coisas são muito complicadas. Um dia
resolvem-se por si.
Para
o poeta T.S: Eliot, num dos mais famosos versos do século XX, abril era o mais
cruel dos meses. O escritor e jornalista americano John Darnton, então jovem
correspondente do New York Times na África, ouviu dizer que Robert Mugabe,
comandante da guerrilha que combatia o governo branco da Rodésia (o futuro
Zimbábue), era leitor de Eliot. Mais um motivo para querer entrevistar aquele
desconhecido líder, que tinha sua base em Moçambique. Darnton fez as perguntas
de praxe, a situação da guerrilha, o apoio e a falta de apoio internacional, e,
no fim, querendo um toque humano do entrevistado, perguntou: "O que
exatamente o atrai em T.S. Eliot?". Silêncio, com um quê de perplexidade.
"O senhor sabe, não? The Waste Land", tentou o repórter, citando o
título do poema que começa com o verso famoso. Mesmo silêncio, já com um quê de
irritação. "Abril é o mais cruel dos meses", ainda insistiu Darnton.
"Não tenho a menor ideia do que você diz", encerrou o entrevistado.
Mugabe foi reeleito, aliás "reeleito" presidente do Zimbábue no dia
31 de julho. É hoje um dos mais longevos (33 anos no poder) e mais tirânicos
líderes do continente. Tudo é absurdo, do estapafúrdio diálogo
entrevistado-entrevistador à história da África, mas nada é chocante.
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