Crime
e Castigo
Lya Luft
"Estamos
levando na brincadeira a questão
do
erro e do castigo, ou do crime e da punição.
Sem
limites em casa e sem punição de crimes
fora
dela, nada vai melhorar"
Tomo emprestado o título do
romance do russo Dostoiévski, para comentar a multiplicação dos crimes nesta
cultura torta, desde os pequenos "crimes" cotidianos – falta de
respeito entre pais e filhos, maus-tratos a empregados, comportamento
impensável de políticos e líderes, descuido com nossa saúde, segurança,
educação – até os verdadeiros crimes: roubos, assaltos, assassinatos, tão
incrivelmente banalizados nesta sociedade enferma. A crise de autoridade começa
em casa, quando temos medo de dar ordens e limites ou mesmo castigos aos
filhos, iludidos por uma série de psicologismos falsos que pululam como
receitas de revista ou programa matinal de televisão e que também invadiram
parte das escolas. Crianças e adolescentes saudáveis são tratados a mamadeira e
cachorro-quente por pais desorientados e receosos de exercer qualquer comando.
Jovens infratores são tratados como imbecis, embora espertos, e como inocentes,
mesmo que perversos estupradores, frios assassinos, traficantes e ladrões
comuns. São encaminhados para os chamados centros de ressocialização, onde nada
aprendem de bom, mas muito de ruim, e logo voltam às ruas para continuar seus
crimes.
Estamos levando na brincadeira
a questão do erro e do castigo, ou do crime e da punição. A banalização da
má-educação em casa e na escola, e do crime fora delas, é espantosa e tem
consequências dramáticas que hoje não conseguimos mais avaliar. Sem limites em
casa e sem punição de crimes fora dela, nada vai melhorar. Antes de mais nada,
é dever mudar as leis – e não é possível que não se possa mudar uma lei, duas
leis, muitas leis. Hoje, logo, agora! O ensino nas últimas décadas foi
piorando, em parte pelo desinteresse dos governos e pelo péssimo incentivo aos
professores, que ganham menos do que uma empregada doméstica, em parte como
resultado de "diretrizes de ensino" que tornaram tudo confuso,
experimental, com alunos servindo de cobaias, professores lotados de teorias
(que também não funcionam). Além disso, aqui e ali grupos de ditos mestres
passaram a se interessar mais por politicagem e ideologia do que pelo bem dos
alunos e da própria classe. Não admira que em alguns lugares o respeito tenha
sumido, os alunos considerem com desdém ou indignação a figura do antigo mestre
e ainda por cima vivam, em muitas famílias, a dor da falta de pais: em lugar
deles, como disse um jovem psicólogo, eles têm em casa um gatão e uma gatinha.
Dispensam-se comentários.
Autoridade, onde existe, é
considerada atrasada, antiquada e chata. Se nas famílias e escolas isso é um
problema, na sociedade, com nossas leis falhas, sem rigor nem coerência, isso
se torna uma tragédia. Não me falem em policiais corruptos, pois a maioria
imensa deles é honrada, ganha vergonhosamente pouco, arrisca e perde a vida, e
pouco ligamos para isso. Eu penso em leis ruins e em prisões lotadas de gente
em condições animalescas. Nesta nossa cultura do absurdo, crimes pequenos levam
seus autores a passar anos num desses lixões de gente chamados cadeias (muitas
vezes sem sequer ter havido ainda julgamento e condenação), enquanto bandidos
perigosos entram por uma porta de cadeia e saem pela outra, para voltar a
cometer seus crimes, ou gozam na cadeia de um conforto que nem avaliamos.
Precisamos de punições
justas, autoridade vigilante, uma reforma geral das leis para impedir
perversidade ou leniência, jovens criminosos julgados como criminosos, não como
crianças malcriadas. Ensino, educação e justiça tornaram-se tão ruins, tudo
isso agravado pelo delírio das drogas fomentado por traficantes ou por
irresponsáveis que as usam como diversão ou alívio momentâneo, que passamos a
aceitar tudo como normal: "É assim mesmo". Muito crime, pouco
castigo, castigo excessivo ou brando demais, leis antiquadas ou insuficientes,
e chegamos aonde chegamos: os cidadãos reféns dentro de casa ou ratos
assustados nas ruas, a bandidagem no controle; pais com medo dos filhos,
professores insultados pela meninada sem educação. Seria de rir, se não fosse
de chorar.
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