Um Senado para rir e chorar
RUTH DE AQUINO
RUTH
DE AQUINO é colunista de ÉPOCA (raquino@edglobo.com.br)
PARA RIR (ACRÉSCIMO DO BLOG)
Nenhum programa de humor me provocou mais risos na semana passada que a história protagonizada por um senador e um garçom, ambos de Tocantins. O senador João Costa, do Partido da Pátria Livre (PPL), preparou um discurso de 14 páginas sobre o aborto. Ao chegar à tribuna, uma surpresa: o plenário estava vazio. Que fazer? Como falar para cadeiras, ainda mais em sessão transmitida pela TV Senado? Em vez de cancelar o discurso, ele decidiu sentar-se no lugar do presidente e recriou a realidade, encenando uma sessão patética.
Nenhum programa de humor me provocou mais risos na semana passada que a história protagonizada por um senador e um garçom, ambos de Tocantins. O senador João Costa, do Partido da Pátria Livre (PPL), preparou um discurso de 14 páginas sobre o aborto. Ao chegar à tribuna, uma surpresa: o plenário estava vazio. Que fazer? Como falar para cadeiras, ainda mais em sessão transmitida pela TV Senado? Em vez de cancelar o discurso, ele decidiu sentar-se no lugar do presidente e recriou a realidade, encenando uma sessão patética.
O senador João chamou o garçom Johnson Alves
Moreira para fazer figuração. Não sabemos se Johnson posou de senador falso por
pena ou se ganhou uma gratificação de João. Deveria. Johnson ficou em pé por
meia hora, mexendo a cabeça em tom de aprovação, com a câmera focando em sua
calvície e suas costas, numa tentativa de dar credibilidade às palavras do
senador. João abriu o discurso assim: “Senhor presidente, senhores senadores,
senhoras senadoras, senhores e senhoras presentes, e aqueles que acompanham
esta sessão pela rádio e TV Senado...”. Na plateia, só Johnson.
A história foi relatada em detalhe pela
repórter Maria Lima, do jornal O Globo. A foto também é assinada por ela. Um
pequeno texto primoroso, por expor o ridículo de uma Casa que paga regiamente
senadores para não fazer nada ou quase nada, além de queimar nosso dinheiro na
fogueira das vaidades. Segundo o relato, o “garçom-senador virou motivo de
piadinhas dos seguranças, que sugeriram que ele fizesse um aparte”. Johnson
disse ter gostado da “experiência”.
O senador João encerrou seu discurso sobre
“os direitos do nascituro” com outra simulação, como se houvesse uma fila de
senadores para falar: “Considerando a exiguidade do tempo e o número de
oradores, solicito que as peças do pronunciamento sejam dadas como lidas.
Obrigado pela atenção”. Só faltou a claque.
As dúvidas são: para seus colegas senadores,
João Costa não passa de um João ninguém e, por isso, não interessa sua posição
sobre o aborto? Ou há outros dias de gazeta institucionalizada no Senado, além
de segunda e sexta-feira? Como se sente um senador que finge falar para uma
multidão, diante de cadeiras vazias? A sessão João & Johnson ficará nos
anais do Senado como o “dia do garçom”.
***
PARA CHORAR (ACRÉSCIMO DO BLOG)
Nenhum tema político me causou mais asco na
semana passada que a aposentadoria de Roseana Sarney como servidora do Senado.
Ela entrou para o Senado em 1974, aos 21 anos de idade, sem prestar concurso
público, num “trem da alegria”, chamado por sua assessoria de “processo
seletivo”. Ela só trabalhou como servidora durante três anos, entre 1982 e
1985, quando o pai, José Sarney, já era senador. O Senado informa que contratou
Roseana em novembro de 1984 e que, agora, a aposentou do cargo de “Analista
Legislativo”. É de chorar.
Em 1985, Roseana pediu licença do Senado para
acompanhar o pai na Presidência da República, até 1990. Voltou como senadora e
saiu depois como governadora. Continuou a contribuir para o RPPS, a previdência
dos servidores. Isso é que é visão de futuro... Agora, pediu aposentadoria
integral e ganhou. Roseana, em nota, afirmou que a “aposentadoria ocorre 38
anos depois” de ter começado a “trabalhar” para o Senado. Simples assim. E legal,
ainda por cima.
Roseana receberá por mês, de aposentadoria,
R$ 23.859,34. Como governadora do Maranhão, ganha R$ 15.409,95. O Maranhão,
capitania dos Sarneys, é o Estado com o segundo pior IDH do Brasil – perdeu a
primazia para o Estado de Renan Calheiros, Alagoas. Se Roseana quisesse,
poderia acumular três aposentadorias quando deixasse o cargo atual: como
ex-governadora, ex-senadora e ex-servidora. Porque são fontes diferentes. É o
motivo oficial. No país do rombo na Previdência, calcula-se que 67% dos
aposentados pelo INSS recebam o equivalente ao salário mínimo: R$ 678. Um
sistema de castas duro de engolir, impossível de explicar.
Roseana teve escola particular de
enriquecimento com o pai, que acumulou todas as fontes de renda possíveis –
como o auxílio-moradia embolsado irregularmente. Há dois anos, o site Congresso
em Foco divulgou que José Sarney recebia um supersalário de R$ 62 mil por mês:
a soma do subsídio de quase R$ 27 mil do Senado aos R$ 35 mil de duas
aposentadorias, no governo no Maranhão e no Tribunal de Justiça estadual.
Ao contrário do pai, Roseana prometeu
“devolver aos cofres públicos” a parte dos rendimentos que ultrapassar o teto
do funcionalismo, R$ 28 mil. Não sabemos como fará isso. Para o Senado, ela não
pode devolver nada. Depositará na conta do Tesouro? Fará um requerimento
abrindo mão de quase um terço de sua remuneração mensal de R$ 39 mil? Doará
para a Fundação Sarney? Vamos esperar para ver. Prometo divulgar seu ato de
generosidade, Roseana.
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