“Dezenas de testemunhas, e ninguém, absolutamente ninguém,
fez nada.”
Interesso-me em assistir séries e documentários
cujo foco principal é contar sobre o desvelar de crimes, os caminhos da
investigação, e confesso que sinto muito prazer quando os investigadores provam, por seu
trabalho profícuo, a autoria do crime, e levam para a cadeia, por muitos e
muitos anos (isto não no Brasil, claro), o autor ou autores do crime.
Em um episódio, de uma desta séries, um crime, um homicídio
em particular, acontecido em 1964, me chamou sobremaneira a atenção, não pelo
crime, eis que na Nova Yorque dos anos 60 muitos homicídios aconteciam, e
muitos deles não eram desvendados, mas sim pela quantidade de testemunhas,
dezenas delas, 38 para ser mais exato, que ouviram os gritos da vítima de suas
janelas, algumas até viram o algoz a esfaquear a mulher no meio da rua, outras
estiveram muito próximas do criminoso, quando este perpetrava seu hediondo
crime, e, rigorosamente, todas as testemunhas nada fizeram, exceção de uma que
gritou de sua janela para que "deixasse a moça em paz", o que afastou momentaneamente o assassino, porém, como
sequer foram socorrer a mulher, este retornou quando esta entrava no prédio que
morava, já agonizando, e lá o criminoso executou definitivamente o seu intento,
e matou sua vítima impiedosamente.
O chamado para a polícia aconteceu somente
quando a mulher já não poderia mais ser salva, após 30 minutos de ouvidos
suplícios a ela infligidos, e submetida a dois ataques impiedosos, não sobrevivendo
aos ferimentos que lhe foram impingidos.
Durante a investigação, quando ouvidas pela polícia as pessoas alegavam
que tiveram medo, que pensavam que a mulher estava embriagada, ou que outras
pessoas já tinham chamado a polícia, ou que não queriam se envolver, dentre outras
justificativas para a omissão. Algumas, inclusive, que tinham visto alguma coisa que podia
ser útil a polícia, negavam-se até a dizer o que viram.
Poucos dias depois a polícia encontrou um
suspeito que confessou o crime, com detalhes que afastaram qualquer dúvida de
uma confissão oportunista ou uma “pressão” exagerada da polícia. O assassino
foi questionado por sua ousadia, e respondia, de forma impressionante, que
sabia que as pessoas não fariam muita coisa. Tinha convicção que um dos seus
trunfos seria a negligência e falta de solidariedade das pessoas em auxiliar ou
socorrer suas vítimas, sim, vítimas, eis que confessou, também, estupros e outros
homicídios.
Os gritos de suas vítimas não eram suficientes
para que as pessoas as acudissem, ou procurassem uma forma de ajudá-las.
38 pessoas assistiram a execução de uma mulher
inocente, que foi abordada covardemente por um homem com sede de matança. No
entanto, todas essas 38 pessoas preferiram o anonimato à justiça.
Essa desumanidade foi o "insight" que fez os
psicólogos Bibb Latane e John Darley descobrirem o que eles chamaram de
“Problema do Espectador”. O que os psicólogos argumentaram no caso de Kitty
Genovese é o seguinte: o importante não é o fato de ninguém ter agido quando 38
pessoas ouviram os gritos de Kitty, mas sim o fato de que ninguém agiu porque
38 pessoas a escutaram gritar.
“Se houvesse apenas 1 pessoa como testemunha,
talvez Kitty Genovese (nome da mulher assassinada) ainda estivesse viva. Mas
como 38 assistiram, sua morte virou um espetáculo”, foi o que disseram os
psicológos.
Aqui, no Brasil, também ocorre o problema do
espectador, eis que políticos e autoridades cometem desmandos e mais desmandos,
e grande parte da sociedade assiste a tudo como se um espetáculo fosse, claro,
um espetáculo de horror.
A vítima neste caso está bem definida: o
dinheiro e a coisa pública, que, indiretamente, torna todos os trabalhadores e
contribuintes vítimas, e alcança, também, todo cidadão que demanda serviços públicos,
eis que a qualidade destes está diretamente relacionada com os investimentos a
eles direcionados.
Aos que acreditam em céu e inferno cito as
palavras de Dante Alighieri, extraída de sua obra “A Divina Comédia”: “Os lugares
mais sombrios do inferno estão reservados aqueles que se mantiveram neutros em
tempos de crise moral”.
Para aqueles que são mais descrentes, um
pequeno texto que traz uma analogia de que mesmo os espectadores podem um dia
se tornarem as vítimas do próprio espetáculo:
“Um dia vieram e levaram meu vizinho que era
judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram meu
outro vizinho que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. No
terceiro dia vieram e levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, não
me incomodei. No quarto dia, vieram e me levaram; já não havia mais ninguém
para reclamar...(Martin Niemöller, 1933)
* Major da Brigada Militar do RS
* Major da Brigada Militar do RS
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