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quarta-feira, 15 de maio de 2013

Uma faceta, as vezes desconhecida, do Policial: Mediador de conflitos





Mediação de conflito: o policial, o fiscal e a vendedora. Eu ganho, você ganha
por Geverson Ferrari*.

          Quando ela me alcançou um copo de café, percebi que tinha conquistado sua confiança. E pensar que naquela hora, como normalmente ocorre, um processo criminal seria a alternativa para ela, depois de algemada e apresentada ao Delegado de Polícia.
          Os agentes poderiam escolher pelos crimes de desobediência ou pela recusa do fornecimento de dados pessoais.
          Porém, para entender melhor esta história é preciso voltar um pouco no tempo, cerca de trinta minutos antes do café.
          Maria Eugênia é o nome dela, quando a vi pela primeira vez ela estava agarrada a uma caixa de isopor cheia de garrafas de água mineral e em uma sacola plástica com salgadinhos embalados. Sim, ela é uma vendedora ambulante.
          Três fiscais da Secretaria Municipal com jalecos azuis e dois policiais militares, um deles com uma arma longa de calibre .40 a cercavam. Os fiscais exigiam a entrega da mercadoria para apreensão e os policiais o nome da mulher para a produção da documentação e apreensão do material.
          A mulher, percebendo que iria perder seus produtos, não queria dizer o seu nome, só dizia que queria ir embora e levar suas mercadorias, repetindo isso várias vezes, nervosa. Convencida, forneceu um nome inexistente aos policiais, atitude que deixou os militares furiosos. O tom de voz se alterou, os homens também estavam ficando nervosos, vi que a prisão seria a próxima e, para aqueles cinco homens, a única alternativa. Só que não naquele dia.
          Pedi que a mulher fosse trazida a minha sala, ela não queria entrar, evidentemente não confiava em mim, mas insisti, disse que poderia confiar, tive de repetir que queria ajudá-la.  
          Ela, então, disse que aceitaria desde que pudesse levar seu isopor e a sacola de salgadinhos junto. Concordei.
          Já na minha sala, posicionei uma cadeira um pouco mais para o meu lado e perguntei seu nome, ela não respondeu, apenas baixou a cabeça, falei para ela sobre a irregularidade com relação a sua venda de mercadorias, falei que ela deveria ter um alvará e um cadastro como vendedora autônoma. Ela foi me explicando que já tinha tentado, mas não tinha conseguido, pois diziam que não era possível esse tipo de alvará. Respostas curtas, ríspidas, olhando para o chão. Repetia que queria ir embora.
          Sugeri uma troca, ela fornecia seu nome e eu me comprometia em deixá-la levar a sua mercadoria. Ela concordou. Era isso que ela queria, todos sabiam.
          Chamei os fiscais e propus o acordo, faríamos o procedimento legal e os produtos seriam devolvidos para a mulher no mesmo ato, o que foi aceito pelos homens. Liberei os dois policiais e a viatura para retornarem para seus postos a fim de continuarem no policiamento, coibindo crimes.
          E fui além, como Maria Eugênia desejava obter o alvará de autônomo, liguei para o SEBRAE/RS, por telefone me explicaram o procedimento e o endereço, com R$ 39,90 ela obteria sua legalização, incluído o INSS.
           Nessa hora, eis que ela movimenta-se em direção a sacola, pega uma garrafa térmica e me serve um café, apesar de não tomar café como hábito, aquele eu aceitei. E tinha um sabor delicioso.
          Em seguida, telefonei para a Câmara de Vereadores e solicitei a um vereador que mostrasse para a mulher a lei municipal que regula a atuação de ambulantes no centro da cidade. Este, de pronto, agendou com seu assessor a visita ao Legislativo Municipal. 
          Contatei com a Coordenadoria da Mulher, que enviou uma advogada ao quartel, ela conversou com a senhora Maria Eugênia, trocaram telefones, a advogada comprometeu-se em ajudar a fim de agilizar o atendimento junto a Prefeitura Municipal.
          Por fim, chamei os fiscais na minha sala e falei lhes o que penso sobre a atuação dos agentes públicos, frente a este tipo de situação.
          O que penso é o seguinte: os agentes públicos são representantes do Estado, e neste caso, envolveu representantes do Município de Sapucaia do Sul e do Estado do Rio Grande do Sul, respectivamente, Prefeito e Governador, eleitos pelo voto do povo, tanto povo esclarecido como povo humilde como à senhora Maria Eugênia, para este último grupo o acesso a justiça, no sentido amplo da palavra, infelizmente, ainda é restrito.
          É preciso que os agentes públicos, em todas as esferas, entendam que em um Estado de Direito, a pessoa deve ser o centro da atenção. Por isso, a função dos agentes que representam o Estado na sociedade democrática é extremamente complexa, suas ações são repletas de responsabilidade diretas e indiretas, pois repercutem amplamente na vida das pessoas que estão sob a regulação estatal.
          E regular a convivência das pessoas, em minha concepção, vai além da simples aplicação da lei - que me critiquem os positivistas - regular implica em ações pró-ativas. Só algemar não basta, como também, não seria a solução para Maria Eugênia apreensão de suas mercadorias. Essa ação é simplória e só acarretaria mais um problema a vendedora. Exige-se mais do que isto.
          Ações pró-ativas é o mínino que pessoas humildes esperam de nós: policiais, médicos, enfermeiros, educadores, fiscais com poder delegado, representares políticos, dentre outros.
          Para mim, o cafezinho que a senhora Maria serviu tinha um sabor diferente, ele estava vinculado a um fazer diferente e a um sentimento de dever cumprido, tinha um gosto de justiça social. Naquele dia, ganhamos todos.

*1º Sargento da Brigada Militar, Bacharel em Direito, Especialista em Segurança Pública com Cidadania e Mestrando em Sociologia.  

         


         


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