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domingo, 4 de março de 2012

O dicionário censurado, editorial de zero hora - Só falta o Procurador ajuizar ação para que tenhamos dicionários somente com "eufemismos".

Zero Hora - 04 de março de 2012
EDITORIAL INTERATIVO
O DICIONÁRIO CENSURADO



Mais do que um monumental equívoco, a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em Uberlândia, pedindo a retirada de circulação do Dicionário Houaiss, evidencia o arbítrio de autoridades que se julgam no direito de tutelar a sociedade. O episódio só não é risível porque o procurador responsável pelo pedido acredita mesmo que está combatendo um preconceito. Ele considerou ofensiva a acepção do termo “cigano” usada para designar um indivíduo “trapaceiro, velhaco, burlador”. Isso que o dicionário adverte que se trata da definição da palavra no seu uso pejorativo.

Ora, os dicionários existem para conceituar a rea-lidade da língua. Registram os significados das palavras, positivos ou negativos. Assim como o vocábulo “cigano”, inúmeros outros termos da língua portuguesa assumem sentido depreciativo quando utilizados com esse propósito. E não será a supressão arbitrária de uma palavra que fará a população deixar de usá-la. Exemplos não faltam. O termo “judeu”, que designa a pessoa nascida na antiga Judeia ou que segue a religião e a tradição judaicas, também é empregado popularmente para definir uma pessoa avarenta ou usurária. O substantivo “madrasta”, criado para designar a relação de uma mulher com os filhos que o marido teve num matrimônio anterior, ganhou maior evidência na acepção de pessoa pouco carinhosa, ingrata, má.

Adianta eliminá-los do dicionário? Ou mandar recolher os dicionários que registram as acepções depreciativas? Só mesmo no entendimento de certas autoridades que, por ignorância ou prepotência, se julgam capazes de alterar a realidade, como os inquisidores medievais que obrigaram Galileu a negar a teoria do heliocentrismo, baseada na correta ideia de que a Terra e os demais planetas de nosso sistema giram em torno do Sol.

Também agem como tutores indesejáveis dos cidadãos os julgadores que avocam para si a prerrogativa de decidir o que deve ou não ser publicado pela imprensa ou pelos novos instrumentos de mídia. A liberdade de expressão é uma cláusula pétrea da Constituição brasileira. Todas as pessoas têm o direito de dizer, escrever ou divulgar aquilo que pensam, sabendo que poderão ser responsabilizadas quando cometerem impropriedades. Não podem, porém, ser impedidas previamente de se manifestar.

A censura prévia é ainda mais absurda do que a ordem para recolher o que já foi publicado, como pretende o procurador mineiro. É como condenar alguém pela simples suposição de que vai cometer um crime. Além disso, ao impedir a opinião pública de fazer o seu próprio julgamento dos fatos, o censor cassa um direito quase divino do ser humano, que é o livre-arbítrio. Os patrulheiros da língua equivocam-se duplamente, pois atentam contra a liberdade dos cidadãos de interpretarem o que ouvem e leem conforme seu entendimento, e ainda tentam inutilmente interferir na propriedade natural dos vocábulos de adquirirem outros sentidos pela vontade das pessoas que os utilizam.

Guardadas as proporções, censurar o dicionário equivale a tentar fazer o Sol girar em torno da Terra.

2 comentários:

  1. Algo está acontecendo no Brasil que chama a minha atenção: parece-me que cada vez mais e mais pessoas querem ser mais papistas que o próprio Papa! Me explico: todos se acham perseguidos, inclusive os bandidos, traficantes e similares, todos se acham excluídos de alguma maneira ou vítimas do pré-conceito. Os adolescentes questionam seus professores. Os que deveriam serem respeitados, tais como professores e policiais, são os que cada dia tem mais medo e estão mais decepcionados. Daqui a pouco, qualquer brincadeira inocente, um simples gesto, poderá ser chamado de pré-conceito, discriminação, sei lá o que!!! Ninguém quer seguir disciplina alguma, ninguém quer saber de cumprir obrigações, mas TODOS reclamam por seus "direitos". Será que nesta sociedade não existem mais obrigações e só existem direitos? Será que tudo, absolutamente tudo deva ser questionado até chegar a situações ridículas como você aponta aqui em relação ao uso de uma palavra? O que está acontecendo? Não acha que há "algo" em curso? é algo para pensar. Roberto

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  2. Caro Roberto, gostei muito da tua postagem que tomei a liberdade de transcrevê-la em minha coluna no Jornal Líder do Vale.Acredito, a grosso modo, que é isto mesmo que escrevestes. Ninguém quer saber de deveres, somente de direitos. Autoridades giram suas ações em torno de seus umbigos, a exemplo desta que quer excluir do dicionário o significado corrente, em uso pelas pessoas, por que entende ser ofensivo. Tempos atrás textos de Monteiro Lobato quase foram proibidos pelo MEC porque alguém, sem nenhuma análise histórica, entendeu que eles eram preconceituosos quanto a raça negra. Digo-lhe Roberto: Haja paciência.

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