Um menor (aluno),
representado por sua progenitora, acionou judicialmente o professor Odilon
Alves Oliveira Neto, requerendo reparação por danos morais porque, pasmem, este
houve por bem retirar um aparelho de telefone celular das mãos daquele, que
ouvia música com fones de ouvido durante a aula. Segundo os autos do processo,
a ação proposta visava a reparar o “sentimento de impotência, revolta, além
de um enorme desgaste físico e emocional” do autor.
Vivemos realmente tempos
estranhos. Como pode uma mãe ter o desplante de acionar o Poder
Judiciário para propor algo tão disparatado? Se algo semelhante
acontecesse no meu tempo de aluno, além da punição da escola, provavelmente uma
suspensão, meus pais se encarregariam de castigar-me de forma firme, para que
tal coisa jamais voltasse a ocorrer. Não é à toa que a educação no Brasil
vai de mal a pior.
Felizmente, nesse caso, o
processo foi parar nas mãos de um juiz sensato, o doutor Eliezer Siqueira de
Sousa Junior, da 1ª vara Cível e Criminal de Tobias Barreto/SE, não apenas
julgou improcedente a ação, como deu uma bela espinafrada no autor e em sua
mãe.
Segue abaixo, na integra, a sentença:
SENTENÇA
FUNDAMENTAÇÃO
O Autor é estudante. O
demandado, professor. Neste contexto, já se deveria asseverar que o docente,
jamais, traria algum abalo moral àquele ser que lhe foi confiado a aprender.
Pelo contrário! O professor é o indivíduo vocacionado a tirar outro indivíduo
das trevas da ignorância, da escuridão (a lumno: sem luz), para as luzes do
conhecimento, dignificando-o como pessoa que pensa e existe (cogito, ergo sum:
penso, logo existo, na preciosa lição de Descartes).
O que temos no Brasil? Uma
completa inversão deste valor, explicável se levarmos em conta que, no século
passado, ficamos aproximadamente 40 anos em duas ditaduras que entenderam o valor
da Educação como ferramenta de tirania e alienação, transformando professores em
soldados de ideologias totalitaristas, perfilados em salas de aula em que sua disposição
espacial dá toda esta diretriz: o professor em pé, discursando; os alunos sentados,
indefesos, recebendo toda carga do “regime”.
Vieram os períodos de
democracia, e o que se fez? Demonizou-se a educação! Sim, pois eram alinhavadas
com os regimes absolutistas, que tinham o “disparate” de ensinar nas aulas de
Educação Moral e Cívica, Orientação para a Vida, Organização Social e Política
do Brasil e afins que fazer greve era errado; que o indivíduo de bem deve se
submeter, sem questionar à autoridade estatal; que quem questiona não é de boa
índole...
É certo que o modelo educacional
utilizado pelo Estado Novo e pela Ditadura Militar era tendencioso e
unifacetado. Não havia espaço para diferenças. Tampouco para minorias. Mas o
que se fez foi escantear aquele modelo educacional e...
Este é o ponto! O modelo
educacional brasileiro de outrora foi abandonado e, até agora, nenhum o
sucedeu. É bem verdade que a quantidade de dinheiro aumentou, mas o
investimento (não só financeiro) é péssimo.
Ainda temos uma maioria
esmagadora de centros educacionais no Brasil que remontam ao século XIX,
insalubres, massacrantes e nada atrativos, conforme várias matérias
jornalísticas despejam periodicamente nos meios de comunicação.
Quem sofre com isso? O país como todo, é
verdade. Os alunos e pais de alunos, diretamente. Mas fico a pensar, também,
naquele que nasce vocacionado para ensinar, que se prepara anos a fio para
isso, e, quando chega o grande momento, depara-se com uma plateia
desinteressada, ávida pelos últimos capítulos da novela ou pela fofoca da
semana, menos com a regência verbal ou a equação de segundo grau, até porque
não possui nenhuma ferramenta “atrativa” para combater a contracultura das
massas.
A concorrência é desproporcional, mas houve
uma época em que ser pego em sala de aula fazendo palavras-cruzadas ou trocando
bilhetes com outros discentes era motivo para, no mínimo, fazer corar a face do
aluno surpreendido.
O professor era autoridade de fato e de
direito na sala de aula. Era respeitado como tal, pois a sociedade depositava
sobre seus ombros a expectativa de um futuro melhor para os mais mancebos.
Possuía licença de cátedra, liberdade para escolher o método que houvesse por
bem, para melhor alçar o espírito dos pupilos. Ensinar era um sacerdócio e uma
recompensa. Hoje, parece um carma.
Voltando à querela: o que pretende o Autor?
Reparar seu “sentimento de impotência, revolta, além de um enorme desgaste
físico e emocional” (fls. 03, 4º parágrafo). E por que? Porque o ora Reclamado,
na condição de professor, “tomou o celular do aluno, ora REQUERENTE, na sala de
aula, isto porque o aluno pegou o celular para ver a hora” (fls. 02, 4º parágrafo,
última parte).
Analisando a prova colhida em audiência, vemos
que o aluno não comprovou o alegado, não se desincumbindo do ônus probatório
previsto no art. 333, I do CPC, ou seja, não comprovou seu fato constitutivo,
produzindo tão somente “meras alegações”. A prova oral produzida a seu rogo não
comprovou em nenhum momento que o aparelho celular foi tomado do autor de forma
injusta ou desmotivada. Sucintamente: não há um único elemento probatório em
favor da tese empreendida pelo autor.
De outra face, analisando os demais elementos
probatórios, vemos que os elementos colhidos apontam para o fato de que o Autor
não foi “ver a hora”. O mesmo admitiu que o celular se encontrava com os fones
de ouvido plugados e que, no momento em que o professor tomou o referido
aparelho, desconectou os fones e... começou a tocar música.
Aliado a este fato que, repise-se, foi
relatado pelo próprio Autor, as testemunhas arroladas pelo Requerido,
Professora e Coordenadora do estabelecimento de ensino onde os fatos ocorreram,
foram categóricas em afirmar que o mesmo Autor, embora não seja um aluno que “dê
trabalho” e não faça as atividades educativas propostas pelos docentes, já foi
flagrado em outras vezes com fones de ouvido em plena ministração de aula.
O Requerido, em seu depoimento, afirmou que
diversas vezes chamou a atenção do Aluno por utilizar o aparelho celular para
jogar ou ouvir música em sala de aula, sendo que em uma certa vez, este chegou
a utilizar uma “caixinha de som” durante a aplicação de uma prova.
O que fez o aluno, ora Autor, no dia dos
fatos? Além de descumprir a norma encetada no art. 48, VII, de norma emanada
pelo Conselho Municipal de Educação, que veda ao aluno utilizar-se de aparelho
celular durante o horário de aula, salvo se fizer parte da atividade
pedagógica, ainda desobedeceu ao comando do Professor que, por outras vezes, já
o advertira sobre o uso do aparelho celular.
Pode-se até entender que o Discente desconheça
a legislação municipal sobre os direitos e deveres dos alunos em sala de aula.
O que não se pode admitir é que um aluno desobedeça, reiteradamente, a um
comando ordinário de um professor, como no presente caso.
Vivemos dias de verdadeira
“Crise de Autoridade” na educação brasileira. Crise esta causada pelo
sucateamento retromencionado dos estamentos educacionais, onde a figura do Professor
é relegada a um papel pouco expressivo na sociedade. Hoje, o professor é tido
como uma pessoa que estudou muito e não chegou a lugar nenhum, quando não se
diz coisa pior.
E ao exercer este “carma”,
não tem o respeito dos discentes, que passam a questioná-lo sem nenhum
embasamento lógico ou pedagógico, em puro exercício da “arte pela arte, crítica
pela crítica”, causando profundas sequelas naqueles que deveriam ser os mais
interessados em aprender.
Ressalte-se, ainda, que as
provas orais pleiteadas pelo Autor em nada acrescentaram para o deslinde dos
fatos, limitando-se a se referir ao episódio pela ótica do Autor, pois souberam
pelo mesmo dos fatos, nada acrescentando aos elementos colhidos.
Assim, diante de todos os
elementos probatórios colhidos nos presentes autos, não merece prosperar a
pretensão encartada na inicial: a uma, porque o aparelho celular foi tomado
pela utilização indevida de seu dono, no caso o Autor; a duas, porque esta má
utilização foi praticada em outros momentos, o que é corroborado pelos
depoimentos prestados pelas pessoas arroladas pelo Requerido, vale dizer,
também docentes da escola; a três, porque se houve alguma demora na restituição
do aparelho, a mesma se deveu pela mesma demora dos Responsáveis Legais pelo
Autor em se apresentarem para receberem o celular; a quatro, ainda que houvesse
algum excesso temporal, ste não causou nenhum abalo moral ao Autor, pois o
mesmo não utiliza seu aparelho para trabalhar, estudar ou qualquer outra
atividade, exceto para mero deleite e lazer, o que não caracteriza, a meu
sentir, nem dano moral nem suposto abuso de direito por parte do Reclamado; e a
cinco, porque julgar procedente esta demanda é desferir uma bofetada na reserva
moral e educacional deste país, privilegiando a alienação e a contra educação,
as novelas, os “realitys shows”, a ostentação, o “bullying” intelectivo, o ócio
improdutivo, enfim, toda a massa intelectivamente improdutiva que vem assolando
os lares do país, fazendo às vezes de educadores, ensinando falsos valores e
implodindo a educação brasileira.
No país que virou as costas
para a Educação e que faz apologia ao hedonismo inconsequente, através de
tantos expedientes alienantes, reverencio o verdadeiro herói nacional, que
enfrenta todas as intempéries para exercer seu “múnus” com altivez de caráter e
senso sacerdotal: o Professor.
III – Dispositivo
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido
inaugural, ao passo em extingo o processo com resolução de mérito, na forma do
art. 269, I do Código de Processo Civil.