Era uma vez, no palácio de um reino distante, um monarca muito vaidoso, mas muito amado pelo seu povo. Suas grandes virtudes: a generosidade e a persuasão. Pela generosidade, queria que todos os pobres ficassem ricos como ele. Pela persuasão, a todos convencia. E todos o ouviam, e todos acreditavam no que ele dizia. Era tido por sábio, principalmente quando dizia que não sabia.
Mas, desde que foi coroado, se angustiava com o pesadelo de um dia não ser mais rei. Afinal, à coroa tudo devia, pois com ela tudo podia. Adorava viajar. Tudo com o dinheiro arrecadado dos súditos que pagavam rigorosamente os impostos ao tesouro do rei, temerosos de que, caso os sonegassem, ele mandasse soltar os leões famintos que mantinha, para esse fim, numa jaula junto à estrebaria do palácio. Mas o de que ele mais gostava mesmo era de passear pelas terras do seu reino numa bela carruagem que de tão grande tinha até um compartimento escuro do lado oposto àquele do cocheiro. Lá – cochichavam as fofoqueiras do reino – se ele quisesse (?) até que poderia levar alguma cortesã, que no palácio elas eram abundantes. Era preciso eternizar seu governo.
A melhor ideia foi encomendar aos tecelões da aldeia milhares de bolsinhas de pano, que mandou distribuir aos mais pobres. Cheias de moedinhas, para que, segundo se dizia, não precisassem mais trabalhar, nem escolher outro rei. Com isso, aumentou o número de cavalos e de carretas pelas trilhas do reino – embora continuassem péssimas –, dando muito trabalho aos seleiros, carpinteiros e a todos os trabalhadores. Inclusive aos curandeiros, pois os afetados pelas pestes continuavam amontoados, e até morrendo nas precárias enfermarias do reino. Mas isso não aparecia, e, a partir das bolsinhas, o seu reino alcançou o que, no futuro, passaria a se chamar de altos índices de desenvolvimento social.
Pois foi então que o mais esperto dos tecelões mandou ao palácio dois malandros para vender ao rei vaidoso um tecido jamais visto, de uma seda mágica que, de tão linda, só pessoas estúpidas ou incompetentes seriam incapazes de admirá-la. Embora não tenha enxergado nada do que os embusteiros afirmavam estar mostrando, mas para não passar por estúpido, concordou com eles. Seus acólitos – que no futuro seriam chamados “puxa-sacos” – também não quiseram passar por ignorantes, muito menos contrariar seu soberano e encomendaram o “traje” para um desfile inaugural. Não sem antes seus marqueteiros – que então já os havia mas com o nome de arautos – tratarem de bolar uma sigla para tirar proveito político, relacionando o traje do rei com o fim da pobreza. E a escolhida foi IDS, que fazia combinar o tecido (i)nvisível (d)e (s)eda com os altos (i)ndices de (d)esenvolvimento (s)ocial de seu governo.
Pois foi enquanto o rei desfilava trajando seu flamante IDS imaginário, que uma criança, na sua inocência, gritou: “Coitadinho, o rei está nu!”. E é quando todos ganham coragem para dizer a verdade e repetem em coro: “O rei está nu! O rei está nu...!”
Mas aí já era tarde, porque, temendo que tivesse que fugir se descobrissem tudo, antes de deixar o palácio o rei passou a chave para sua filha...
(O articulista agradece à alma de Hans Christian Andersen, autor do conto “A roupa nova do rei”, o prazer de sua leitura).
*JORNALISTA, EX-SUBPROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
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