Zero Hora - 09 de maio de 2012
R$ 10 MILHÕES PERDIDOS
Burocracia implode prisão
Mesmo com autoridades e comunidade mobilizadas desde 2004, Bento Gonçalves assistiu a uma verba federal milionária, que beneficiaria ainda outras duas regiões, se esvair após quase oito anos de entraves burocráticos
O Rio Grande do Sul não constrói cadeias mesmo quando tem dinheiro à disposição. O Ministério da Justiça confirmou esta semana o cancelamento dos R$ 10.404.206,98 que tinham sido reservados ao Estado para erguer um novo presídio regional de 320 vagas em Bento Gonçalves, na Serra, um albergue em Bagé, na Campanha, e um módulo de saúde em Charqueadas, na Região Carbonífera.
O repasse estava sob ameaça desde o final do ano passado quando a Presidência da República fez cortes no Orçamento da União e traçou meta mais enxuta de distribuição de recursos aos Estados por meio do Programa Nacional de Apoio ao Sistema Prisional. O governo federal se propôs a gastar R$ 1,1 bilhão com geração de vagas, destinando R$ 46 milhões (4,4% do montante) para o Rio Grande do Sul.
Porém, a nova linha da ação determinou o cancelamento de dinheiro para todos os projetos que estavam em tratativas em Brasília cujas obras não tinham sido iniciadas ou as licitações não estavam definidas. E o presídio de Bento Gonçalves se enquadra neste quesito.
A perda do presídio de Bento é a mais sentida porque representava o maior investimento, e o dinheiro R$ 8.856.602,32, já estava depositado em uma conta para o Estado na Caixa Federal desde 2007. A obra resolveria o problema da superlotação do presídio atual, considerado um barril de pólvora encravado na cidade com 311 presos, onde cabem 145.
Por causa da falta de espaço, criminosos são condenados, mas a Justiça se obriga a escolher quem vai para atrás das grades.
– O sentimento é de frustração, de impotência. Se condena, mas não se pode prender. É angustiante mandar presos para o presídio naquelas condições. E a comunidade reclama de insegurança – lamenta a juíza Fernanda Ghiringhelli de Azevedo, da 1ª Vara Criminal e da Vara de Execuções Criminais de Bento.
Fernanda e colegas, promotores, autoridades políticas e empresariais lutam desde 2004 por um novo presídio que, além de presos de Bento, recebesse apenados de outros sete municípios. Foi criada uma comissão para estudar terrenos disponíveis. Depois de quase 50 terrenos descartados, uma área de 14 hectares foi encontrada. A prefeitura pagou cerca R$ 550 mil pelo terreno na localidade de Linha Palmeiro, e cedeu ao Estado, que gastou mais R$ 40 mil por um estudo de impacto de vizinhança.
Brigas judiciais sob a alegação de suposto prejuízo ao turismo da cidade, desacertos entre a prefeitura e o Estado para definir quem bancaria obras de infraestrutura no entorno e disputas em tribunais envolvendo empreiteiras concorrentes fizeram o projeto se arrastar durante seis anos sem solução. Enredado, o Estado acabou perdendo o dinheiro federal.
– O presídio é uma bomba-relógio e quem poderia desarmá-la não quer fazer isso – critica o juiz José Guerra, do Juizado Especial Criminal (Jecrim) de Bento Gonçalves.
Parte das verbas do Jecrim – provenientes de pagamentos de multas por autores de crimes de menor potencial ofensivo – e da ajuda da comunidade tem bancado melhorias no atual presídio como consertos na rede elétrica, instalação de câmeras e até a aquisição de uma viatura para transporte de presos.
O juiz lembra que, há cerca de sete anos, propôs bancar a instalação de uma tela para cobrir o prédio e evitar o arremesso de armas, drogas e armas para o pátio, mas a Superintendência dos Serviços Penitenciários não teria aceitado.
O mais revoltado com a situação é o empresário José Oro, presidente do Conselho da Comunidade das Execuções Penais.
– Há descaso ou negligência com Bento. Nós tínhamos tudo pronto, o terreno, o dinheiro liberado – esbraveja Oro, que dirige a entidade há quase 20 anos.
* Colaborou Guilherme Mazui
JOSÉ LUÍS COSTA*
Cronologia do desperdício
- 2004: Judiciário, MP, políticos e empresários unem forças para construir um presídio de 320 vagas em Bento.
- 2006: a prefeitura compra uma área na Linha Palmeiro por cerca de R$ 550 mil e cede ao Estado.
- 2007: o governo federal deposita na Caixa Federal R$ 8.856.602,32 para a construção do presídio. No mesmo ano, a Associação Caminhos de Pedra, ligada ao turismo, ingressa na Justiça contra a obra, alega danos ao ambiente e à cultura local.
- 2009: após o governo do Estado pagar R$ 40 mil por um estudo de impacto de vizinhança, a Justiça autoriza a obra.
- 2010: lançada licitação, a empresa vencedora se nega a fazer a obra pelo valor acordado. A concorrente entra na Justiça, mas é derrotada.
- 2011: a Secretaria da Segurança Pública lança nova licitação, mas o repasse federal é suspenso.
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