O Leitor pode estar se perguntado se não errei
o título, quando o correto seria imunidade parlamentar ou foro privilegiado. O
fiz propositalmente, pois em dias atuais, a meu juízo, se tornaram sinônimos.
Entendo
que realidades como a do Brasil e dos Estados Unidos não podem ser, superficialmente
ou com poucos critérios, comparadas, mas admiro muito, quando assisto as séries
policiais televisivas americanas, a exemplo de CSI, Criminal Minds, dentre
outras, quando, em muitas situações, os políticos daquele País são presos pela
polícia, e julgados pela mesma Justiça que julga os demais cidadãos, sem, o que
chamamos por aqui, “foro privilegiado”.
Existem
exemplos recentes de escândalos de corrupção, inclusive no Estado do RS, em que
as pessoas que não tem o foro privilegiado foram condenadas – e ressalto que se
mereceram não há o que reparar ou lamentar – baseado em provas consistentes,
como escutas telefônicas e documentos, probatórias da autoria e materialidade do
crime. Entretanto, pessoas detentoras de cargos políticos ou públicos, e
abrigadas pelo manto da proteção do foro privilegiado, tiveram contra si as mesmas provas, porém,
para que elas fossem validas, deveriam ter a produção autorizada pelo Tribunal competente
para investigá-las.
Estes
Tribunais, eu vi muitas vezes, em muitos casos sequer analisaram o mérito, ou
seja, se existia culpa ou responsabilidade do agente detentor de cargo político
ou público, mas sim analisaram tecnicamente, invalidando qualquer prova cuja
produção não tivesse autorização do Tribunal competente para determinada autoridade,
mesmo que a autorização fosse chancelada por um Magistrado de Tribunais de
Instância inicial.
Mas antes
de prosseguir vejamos o modelo de foro privilegiado brasileiro: Ao STF cabe
julgar o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso
Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República nos crimes
comuns e, nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os
Ministros de Estado, os membros dos Tribunais Superiores (STJ, TST, TSE e STM),
do Tribunal de Contas da União e chefes de missão diplomática de caráter
permanente (art. 102, I, “b” e “c”). Ao Superior Tribunal de Justiça cabe
julgar, nos crimes comuns, os Governadores de Estados e do Distrito Federal e,
nestes e nos de responsabilidade, os Desembargadores dos Tribunais de Justiça,
os membros de Tribunais de Contas dos Estados, TRFs, TRTs, TREs, Conselhos e
Tribunais de Contas dos Municípios e agentes do Ministério Público que atuem
nos Tribunais (art. 105, I, “a”). Aos Tribunais Regionais Federais atribui-se o
julgamento, nos crimes comuns e de responsabilidade, dos Juízes Federais,
Juízes do Trabalho, Juízes Militares e Procuradores da República, da área de
sua jurisdição (art. 108, I, “a”). Ao Tribunal Superior Eleitoral cabe
julgar os Juízes dos Tribunais Regionais Eleitorais e, a estes, julgar os
Juízes Eleitorais, nos crimes de responsabilidade. Finalmente, aos Tribunais de
Justiça cabe o julgamento dos Prefeitos (CF, art. 29, VIII) dos Juízes de
Direito e Promotores de Justiça, Secretários de Estado e outras
autoridades conforme previsão nas Constituições Estaduais.
Necessário,
ainda, explicar que crimes comuns são os previstos no Código Penal e leis
extravagantes, e crimes de responsabilidade são aqueles praticados por
funcionários públicos e agentes políticos (p. ex., Prefeitos e Juízes) em razão
de suas funções. De resto, cumpre registrar que os Deputados Federais e
Senadores, uma vez recebida pelo STF a denúncia oferecida pelo Ministério
Público Federal, poderão ter a ação penal sustada, se assim decidir a Casa a
que pertençam. (CF, art 53, § 3º).
A
conclusão que aflora de minhas reflexões é de que o modelo brasileiro, como
está posto, produz sim impunidade. O modelo forja iniqüidades incompreensíveis,
a exemplo de duas pessoas que foram pegas em uma escuta telefônica, autorizada
por um Magistrado de Tribunal de Primeira Instância, cometendo crime de
corrupção. Uma delas não tem foro privilegiado, portanto a prova será valida no
processo, a outra, em razão de determinado cargo político ou público, terá foro
privilegiado, portanto a prova não será válida, e terá que ser novamente produzida,
desde que autorizada pela Corte competente. Caso não se produza prova
novamente, está materializada a impunidade e a iniqüidade, pois certamente,
pela prova produzida, temos dois criminosos: Um será, com certeza, processado e
condenado, eis que é um “cidadão comum”; o outro, por ter foro privilegiado,
neste caso, sequer será processado, e, se tratando de Brasil, mesmo que a
imprensa torne público o caso, dificilmente perderá o cargo.
A quem
interessa esta disparidade, este privilégio? A essência do que chamamos de
Justiça eu creio que não, eis que a sua imagem, com uma balança em equilíbrio, vendas
nos olhos e a espada pronta a restaurar a justiça, não se aplica a este modelo,
cuja balança pende para o detentor do foro privilegiado; e cuja venda permite,
ao menos em um dos olhos, enxergar com menos severidade os privilegiados; e a
espada é implacável com os sem privilégios, porém mais contida com os
privilegiados. Seria em nome da autonomia que Tribunais Superiores teriam para
julgar autoridades? O preço da autonomia, penso, é muito alto, pois se cria
castas de criminosos: Os que não tem foro privilegiado, e muito provavelmente
serão condenados; e os que tem foro privilegiado, estes muito provavelmente
escaparão da condenação, se processados forem.
Hoje em
dia muito se fala em igualdade, de norte a sul, de leste a oeste deste Brasil,
portanto, já passou muito da hora da Justiça ser distribuída equanimente, sem
privilégio para este ou aquele, e, por conseguinte, a balança seja equilibrada
para todos; a venda de seus olhos não permita que se enxergue para quem a
justiça será distribuída; e que a espada desça, fulminante, a cortar a cabeça
dos que mereceram, e que as pessoas sejam julgadas por seus atos, não interessando
sua posição social ou cargo que detenha.
Major da Brigada Militar do RS