Acompanho atentamente as discussões
concernentes ao projeto de Lei que típica (cria o texto legal) a conduta de
terrorismo como crime, bem como as que se referem as reações dos movimentos
empreendidos por jovens em São Paulo, batizados de “rolés”.
Na primeira questão afloraram reações, de
alguns setores da sociedade brasileira, que asseveraram que os movimentos
sociais seriam criminalizados e alcançados pelo novo tipo penal a ser criado: o
de terrorismo. Assim, as pessoas ficariam imobilizadas, não mais podendo se
manifestarem quando contrárias ou insatisfeitas com algum cenários atual, ou
então na busca de atendimento de suas reivindicações.
Na segunda questão, dos “rolés”, vozes
bradaram que a reação era preconceituosa, principalmente o étnico e social,
pois os jovens que participavam dos movimentos denominados “rolés” residiriam
na periferia de São Paulo, e seriam, em sua maioria, negros e pardos, e que se
o movimento fosse perpetrado por jovens de classe média, brancos, e de olhos
claros, a reação não seria igual a que ocorreu.
Eu respeito a opinião do outro, não tenho
como agir diferente, embora, por ser um ser pensante, possa, respeitosamente,
discordar e apresentar uma outra linha de pensamento, que faço agora:
A primeira análise que construo, e ela abarca
as duas questões, é que me parece que algumas pessoas constroem justificativas
para condutas equivocadas se valendo de iniciativas corretas, o que,
obviamente, causará confusão na mente das pessoas que, desavisadamente, não
refletirem profundamente sobre o assunto.
Observo que alguns sempre sinalizam com uma
explicação para a transgressão ou para o desrespeito ao outro. Começa por um
discurso de irreverência, que traz a noção de que a pessoa não transgrediu, e,
sim, agiu de forma diferente para sua manifestação, e segue impondo alguma
especificidade do grupo, como etnia, posição social, manifestação social, como
a motivação para a reação, removendo da análise os atos realizados pela pessoa ou pelas pessoas, em um exame essencialmente maniqueísta e dualista,
insistindo em confrontar bem e mal, burguesia e trabalhador, polícia e cidadão,
entre outras confrontações falhas por simplismo na análise de suas
circunstâncias.
Especificamente quanto ao crime de
terrorismo, que quer se criar, se percebe, ao ler o texto proposto, que nenhum
movimento social ou manifestação será criminalizado, eis que estas estão
garantidas pela Constituição Federal, entretanto, condutas que aproveitem a
estrutura destas manifestações sim, desde que provoquem ou espalhem terror ou
pânico generalizado com ofensa à vida, à integridade física, à saúde ou à
liberdade do cidadão. Posto isto eu fico a me perguntar o porquê da grita? Ou
seria justificável, que grupos, em nome de causas legitimas, pudessem perpetrar
o que o tipo penal proposto para o crime de terrorismo prevê?
E quanto aos “rolés”, penso que a reação se
deu mais pelo descompromisso dos participantes com o que as outras pessoas
pensariam a respeito - como, por
exemplo, se aprovariam o gosto musical? Se aquele é o espaço apropriado? - do
que o alardeado preconceito étnico e social. Ou se fossem os jovens ricos e
brancos seria diferente? Obviamente que não, pois se uma pessoa estaciona um
carro, as duas horas da manhã, ao lado da janela da minha casa, e aciona seu
potente e ensurdecedor som para tocar música, independe, para mim que quero
dormir e descansar, a cor da pele ou dos olhos, a classe social, ou gosto
musical do DJ. Agora, com certeza, não faltaria alguém para dizer, caso a
pessoa que fizesse isto, fosse da periferia, negra, branca ou parda, ou que a
música fosse “funk” ou “rock”, caso eu acionasse a polícia, que eu estaria
agindo com preconceito e tolhendo o direito de manifestação musical da dita
pessoa, como se o problema não fosse o som alto, e sim outros quesitos, embora
presentes, mas que em nada contribuíram para meu julgamento e decisão.
O erro, acredito eu, está na análise que
busca justificar a conduta equivocada de pessoas que promovem quebradeiras e
depredações, infiltradas em movimentos sociais e manifestações legitimas, ou
ocupam espaços em que acontecerá interação com outras pessoas, a exemplo dos shoppings,
onde ocorreram os “rolés”, e que levam em consideração somente seus direitos ou
os dos que se manifestam, sem considerar limites e sem considerar o direito do outro.
O shopping é um centro de compras e de lazer.
Pessoas acorrem a estes lugares, muitas vezes para passar o dia inteiro, buscando
tranquilidade. Comerciantes querem vender seus produtos, e para isto os
clientes ali precisam estar. Isto gera empregos, renda, tributos, e tudo mais
que é decorrente. O espaço ali é privado, e, diga-se, inapropriado para que mil
ou duas mil pessoas promovam um “rolé” e exponham todos a suas práticas e
gostos.
Em algum momento histórico os homens
resolveram firmar o que foi denominado de “contrato social”. Estabeleceram-se
normas e regras para a proteção de todos, pois antes disto, alguém, com
supremacia de força, poderia entender de querer tua propriedade, bens, e até a
tua mulher, e, quisesse você ou não, o mais forte o faria, e mataria você, se
assim também o quisesse. O contrato social firmado entre os homens trouxe mais equidade,
mas para que isto acontecesse todos tiveram que abrir mão de uma porção de seus
direitos e liberdades, e submeteram-se a regra geral. Mesmo para mudar-se a
regra, existem regras, eis que todos temos o direito de reclamar da regra e
lutar para que ela mude, e seja mais justa, coisa que já aconteceu muito.
Para aqueles que entendem que regras, normas
e limites não deveriam existir, ou não deveriam ser observados, ou não servem
para si ou para seu grupo social, temos um exemplo de um lugar assim na contemporaneidade:
O Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís do Maranhão, onde não
existem regras e normas, e ali impera a Lei do mais forte, que mata e decapita
(não necessariamente nesta ordem) o mais fraco.
Ainda bem que ainda existem normas, regras e limites
que nos impedem de retornar a barbárie, mesmo que elas possam ser chatas, ou
nos retirem uma porção de nossos direitos e liberdades, eis que elas é que
nivelam os fracos e fortes, seja esta força física, seja econômica, e impedem,
que a qualquer momento, inconsequentemente, alguém resolva cortar nossas
cabeças.
Ronie Coimbra
Major da Brigada Militar
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